O início

Finalmente decidi começar este blog. Trata-se de uma aventura da qual espero sair com algumas lições. Não sei quem sou. Sei o que faço, sei fazer e gosto de fazer. Mas isso não me define como pessoa. Define-me como ser ou algo útil. Nunca isolado. Não-ser, ser-útil. Não-algo. Algo-útil.

Hoje, por exemplo, um cansaço enorme abateu-se sobre mim, apesar de estar decidido a agarrar a minha vida. Mas há uma espécie de força invisível que parece-me puxar-me para a inércia. Para a contemplação.

Sinto cada vez menos e procuro sentir cada vez mais. Quando sinto não é por espontaneidade, como costumava ser. É uma espécie de negociação com o momento. Peço para sentir o céu, as nuvens, a luz e os pássaros. E à força de querer sentir, ou de pedir para sentir, lá sinto. 

Um terrível sentimento de culpa tem-me assaltado nos último dias. O meu cão, o Liubóv, animal maravilhoso e cheio de vida, apesar de ter sido abandonado pelos anteriores hospedeiros e depois resgatado por mim, ser cheio de força e alegria que me veio retirar de um momento negro e obscuro, foi submetido a uma castração. Eu nunca quis conduzi-lo a esse processo porque nunca quis fazer aos outros o que não gostava que me fizessem a mim. Mas a fortuna levou-me a ter de aderir a um programa de proteção e apoio social, caso me acontecesse qualquer coisa. O programa, com participação da Câmara Municipal de Lisboa, impunha essa condição. E lá anui, com o sangue gelado. Depois de o inchaço passar, a realidade da ausência de testículos e de ereção instalou-se e o olhar de desespero e medo de que eu já não gostasse dele, começou a ser muito presente. O sentimento de culpa que se abateu sobre mim tem como escudo uma sombra negra e uma nuvem compacta. Ampliado pela perseguição que faz às ervas, na ânsia de encontrar uma cura para o que lhe aconteceu, o Liubóv entrega-se à devoração das mesmas e olha para mim.

Talvez eu não tenha outro modo de viver que não o tortuoso e de ambiente de trevas, intercalado com pequenos e curtos momentos de ilusão de uma vida plena, feliz e naturalmente saudável. 

Há em mim qualquer coisa de genético (aqui no sentido de qualidade ou característica de Genet) que me absorve numa ânsia de me perder como o meu colega de escuridão Mário de Sá-Carneiro.



Um homem cresce. É ator. O que sempre quis. Também canta e dança e toca violino. Escreve e compõe. Integra a área das ciências sociais e humanas. Tem investigações financiadas pelo governo. Desenha mestrados e sites. Investigou no mundo todo, desde Israel à Alemanha passando por França, Itália, Vaticano e Áustria. Recorrentemente, apesar de 34 anos de carreira artística e 15 de investigação científica, vê-se com 5 livros publicados e mais de 50 textos para teatro escritos e encenados, além de 3 produtos audiovisuais, mas sem rendimento. Completamente à deriva. O mérito não vale nada nos tempos em que vive. Tudo é desmotivante e apenas as fantasias sexuais o movem. Mas essas, como já foi referido no seu último livro, são apenas e somente fantasias. Não nutrem a vida. Nutrem a solidão.




O que muda, o que se transforma e o que se cumpre!

 A maior mudança que acontece e é incontornável é a nossa morte. E dessa, temos a sensação de ter medo. Mas do que temos mais medo é da vida...