Por vezes ponho no papel o que me vai na alma. Outras, ponho na alma o que me vai no papel!

Soul and Paper. drawing by Bruno Schiappa. January 2024

 Muitas vezes ponho em papel o que me vai na alma. Outras vezes engulo em seco e continuo a estrada. Nunca me tinha apercebido de modo tão claro que as pessoas não são o mais importante para as pessoas. Durante muitos anos, a minha prioridade eram sempre as pessoas. E em pessoas incluo também os animais assim como nos animais incluo as pessoas. Acreditava que ninguém fazia nada de prejudicial para os outros de modo consciente.

Não estava em mim, aceitar tudo. O que acontecia era que não queria desiludir as pessoas. Já havia tanto dissabor na vida que eu não queria contribuir para mais um dissabor para este ou aquele.
Creio que chegou a altura de mudar isso.
Sempre fui independente e, curiosamente, conforme ia frequentando mais as pessoas - paradoxal em relação ao que escrevi acima mas que, passo a explicar, não desiludir passava por não as frequentar durante muito tempo - ia deixando a porta da minha independência ser fechada.
Ora, o ano passado, foi muito complicado para mim e para várias pessoas mas, como cedo - e como sempre - falei logo sobre isso, consegui chegar ao final do ano, ileso.
E muita coisa tenho para que tal não acontecesse. Mas ali a meio do ano, as pessoas foram silenciosamente eloquentes na atitude de "queremos saber do Bruno bem e não mal". Basicamente as pessoas são dessa natureza. Tirando 3 que o disseram frontalmente.
Eu sempre ouvi as pessoas. Sem as julgar. Não julgo ninguém. A não ser que me invadam o respeito próprio ou do Liubóv 🙂


E depois, nada, ou tudo?





 "Ela disse que, de ora avante, iria ser tudo diferente. Nada voltaria a ser como antes, sobretudo na ordem do dia. Os dias tinham passado de muito felizes a muito ativos, como se uma coisa invalidasse a outra. Procurou no mais recôndito cofre do peito, aquilo que já tinha sido um tesouro - a independência.

Alguma coisa se tinha quebrado no meio do estalar da espuma das ondas nos lábios. Um sabor a sal que ela bem conhecia.
Nada disto implicava, apesar de tudo, que voltasse a ser quem fora. A maior parte das pessoas, afinal - percebera - não sabia nada dela nem do que fazia ou era capaz. Nada a fazer quanto a isso. Desvalorizar. Desapegar. Deixar vir e fluir?
Não, isso era impossível. Sem projetos, Idalina não conseguia viver porque não sabia fazê-lo.
Tinha de agir para ser.
Enquanto ela falava com o espelho sobre esta e mais questões, ele divagava no pensamento. Fumava um charuto que deitava um cheiro horrível para toda a gente, menos para ele. Para Vitor, a vida era um plano composto de várias etapas que se tinham de cumprir, correndo o risco de ficar a meio ou perdido no meio de coisa nenhuma. O que fazia não lhe importava muito desde que o deixasse viver financeiramente confortável. E havia o pagode, as noites com amigos que não incluíam Idalina. O que ele pensava, na maioria das vezes, era até quando iria conseguir ter ereção e não ficar apenas pelo desejo que sentia ao ver glúteos redondos e pernas bem torneadas. Afinal, Vitor cumpria muito bem o seu papel. O da força e virilidade, da campanha e da vitória. Mas ela também. Ou não fosse a sua insatisfação o gatilho da sua profunda inquietação e busca.
Noutra assoalhada estava outra mulher. Tão ou mais profunda que Idalina, que também pensava na sua condição de elemento de uma tríade amorosa. Se bem que nunca ficasse insatisfeita, fisicamente, Ilda sentia que não era tão desejada como queria, por não ser única, e aí, pensou Ilda, reside o mal de todos nós. A insaciedade é movida pela falta de exclusividade.
Bruscamente, Idalina desatou num conjunto de esgares e gritos. As águas tinham rebentado. Soprou várias vezes. Vitor e Ilda correram para ela. Deitaram-na e ajudaram-na a ter o menino. Tal como tinham desejado. Nasceria em casa. Sem artifícios.
O menino chorou. Vitor, Idalina e Ilda ficaram em silêncio. Olharam para o menino e pensaram em simultâneo: o que é que vieste cá fazer? Isto é muito complicado.
O menino olhava para as caras deles mas os seus olhos dançavam como se estivesse a ver várias pessoas, várias cores e várias animações.
Mas tudo latejava já para um futuro em que, o menino, iria fazer da vida, o seu ballet favorito."
BS 16/01/2024

O que muda, o que se transforma e o que se cumpre!

 A maior mudança que acontece e é incontornável é a nossa morte. E dessa, temos a sensação de ter medo. Mas do que temos mais medo é da vida...